sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

À descoberta da Comarca Andina



Para ir para o Lago Puelo que está a 20 kms de El Bolsón, passa-se pelo Paralelo 42, onde acaba a província de Rio Negro e onde começa a de Chubut.

Do lago Puelo avista-se, e não muito longe, algo que já nos extremamente familiar: um glaciar. Ainda assim é incrivel e impressionante como pode ser que o calor imenso que se vive no lago possa conviver com os glaciares....

Já no dia seguinte a excursão ao Cajón Azul foi mais custosa: muita poeira, muito sol, muita subida. O protector solar e o pó formam no corpo uma capa pegajosa e melosa que faz com que a pele tenha difildade em respirar ( e eu própria!!).
Convenhamos que este grupio excursionistia tem muita boa onda mas é completamente destrambelhado e não teve em conta que o passeio coincidia com a hora de maior calor.

Depois de 15 kilometros neste registo e de subida íngreme pura e dura, paramos no rio.
Ahhhh.....aqui sim está-se bem!!!
Bem, na verdade a água está um gelo, o que já seria de imaginar uma vez que estamos a 7 kms de um glaciar. Ainda assim com o calor que está, a banhoca é imprencindível.
Passamos por uma ponte movediça, que tem mais de movediça do que de ponte, e enquanto atravesso cautelosamente a ponte à qual lhe falta já vários pedaços de madeira, penso nos filmes do Indiana Jones. E lembro-me que quando atravessavam uma ponte precária deste género, era certo e sabido que se partiria algum bocado de madeira, ficando a Indiana girl suspensa e em perigo! Como não me parece que haja aqui nenhum Dr. Jones para salvar a patanisca, mais vale ter muito cuidadinho....






Cansados e arrasados fizemos o caminho de volta. Para além disso, eu levava também na perna (mais exactamente na virilha) um recuerdo de uma vespa!

Apesar de ser um pueblito, El Bolsón tem muita e variada oferta.
A primeira experiência seria fazer um Banho de Gong, uma experiência esotérico-espiritual. O Banho de Gong é ua espécie de viagem sonora que faz com que o corpo e a mente atinjam um estado muito parecido de quando dormimos, e que nos leva à inconsciência e ao relaxamento total e absoluto.

A Feria dos Artesanos realiza-se 3 vezes por semana e é uma das maiores e mais importantes feiras da região.
Depois da visita pela Feria, pic-nic-amos no jardim, onde uma personagem saída não sei muito bem de que filme aparece-nos em forma de show. Frekeast show, mais exactamente.

A personagem teria cerca de 40 anos (pode ser menos.... mas nota-se que estranhas substâncias ingeridas em grande quantidade lhe tolheram um pouco as ideias). E começa, anunciando solenemente o nome da companhia:

- Circo-teatro-movie apresenta: El grande show de El Bolsón!
Oh my God, it's the end of the world!!! - evoca. E vários pinos seguidos.

(Tentar explicar como é a pronúncia deste ser a falar inglês é tem o mesmo grau de complexidade do que tentar traduzir a palavra "saudade" a qualquer estrangeiro.)

Avisa-nos logo que este é um dos melhores shows de El Bólson;
- El mío y el del francés -acrescenta.

À continuação anuncia:

- Ahora me voy a liberar en un movimeiento anti-global. Number 2: now I'm going to turn around like the crazy world !

E começa a mexer a barriga de uma forma frenética e de tal forma impressionante que parece que a barriga vai sair do corpo.

- Dio Santo... que schifo! - exclama o Pepe.

Ele é a personagem de El Bolsón.
De facto um dos melhores espectáculos que vi foi em El Bolsón mas obviamente não foi este. "Parece ser que me fue", um solo de clown concebido e interpretedo por Marina Ballestero.
Aquele tipo de espectáculo que gostaríamos de ter sido nós a fazê-lo. Lindo, poético, profundo.

- No lo puedo creer!!! El mundo es un pañuelo!"

(na língua de Camoes significaria que o "mundo é uma ervilha",ou seja é muito pequeno!)

Digo isto porque acabo de encontrar aqui em El Bolson, o Dario, um amigo argentino que conheci em Paris. Depois disso voltamos-nos a encontrar perto de Aurillac, num curso de clown e há três anos que não nos viámos. Abraço. Conta-me que está aqui porque amanhã vai fazer espectáculo, que a propósito decorre dentro da programação do Festival de Clown! Prometo-lhe que irei vê-lo.

Chamem-lhe coincidências...



A herança hippie no centro da comarca Andina faz-se sentir em pequenas coisas: minis-festas transe em bosques escondidos, beber cerveja artesanal, experimentar banhos de Gong e outras coisas que tal, casas que em vez de se chamarem Vivienda Hernandéz se chamam Navol Paoli.
Aqui onde o parque de automovéis é muito parecido com uma sucata... carros sem capot, sem mala de trás, sem nada... mas andam!!!Aqui onde se vive com calma e com buen rollo.

Hoje grande festa na casa dos viajeros. Organiza-se paella de verduras, tortilla de patatas, guacamole, pan tomaquét.



Um lugar especial



Não tenho a certeza se é o céu estrelado mais íncrivel que vi desde que estou na Argentina ou se é a magia deste lugar que contamina o céu, mas também não importa.

Estou na Casa del Viajero e o seu dono , Augustí, estava a minha espera no Terminal de Bus - o que só por si já era um muito bom presságio.

A verdade é que acabo de chegar e sinto que não é necessário mais tempo para perceber como este sítio é especial.
Talvez por esta razão, no inicío dos anos 70, várias comunidades hippies e pessoas que procuravam um mundo diferente daquele que conheciam, se tenham estabecido aqui.
Movidos por ideais de paz, amor, justiça e igualdade e com a ilusão de criar um mundo melhor vieram para esta terra.

Estamos en Él Bolson e tem este nome porque está no meio de um vale que tem a forma uma mala grande (bolsón, portanto) e é conhecido como um dos últimos bastioes hippies.
É mais do que isso.

Escrevo num computador pré-histórico que parece um modelo ligeiramente mais moderno que o Spectum. O Augusti diz que aqui, até o computador é orgânico.

Num ambiente familiar, descontraído e muito fluído ( não estivéssemos nós em El Bolsón), decorre o jantar, a noite e a madrugada, entre conversas, pastas italianas e cervejinhas...

Para além de tudo isto, o Albergue parece sofrer de síndrome de Babel.
Vejámos: uma inglesa, um filandês, um casal chileno, uma argentina, um búlgaro, um americano, duas alemãs, um italiano, uma eslóvénia e uma portuguesa (Eu!!).

E espírito comunitário de El Bolsón faz-se sentir de forma forte e inevitável no Albergue do Augustí.

Casinhas de madeira e hortas orgânicas, assim é a Casa del Viajero. Mostra-me o quarto onde vou ficar. Apaixono-me.
O quarto é uma espécie de águas-furtadas de madeira onde algumas cortinas separam as várias camas. Muito acolhedor.
O Augustí chama-lhe a Casa de las Chicas.
Deito-me na minha cama que tem lençóis com luas e soís, espreito pela pequena janela, ouço o riacho a correr lá em baixo, fecho os olhos, sorrio.
Não podia sentir-me melhor.

Antes de adormecer e com os sentidos e o coração muito aberto, penso em como um estranho e súbito impulso me fez querer sair rapidamente de Bariloche e vir para aqui sozinha.
A Clarissa Pinkola Estés diria que Laquésabe está comigo. Ou eu com ela. E juntas corremos. Com os lobos.






domingo, 24 de fevereiro de 2008

Bem-vindos à Suiça Argentina!

Quem pensa que a Patagónia é uma espécie de terra de ninguém, inalcansável e inacessível, desengane-se!
E a prova evidente disso é a cidade de San Carlos de Bariloche, a segunda cidade mais turística da Argentina (sem contar com a capital, claro!).
Bariloche é mais suiço do que a própria Suiça. Exagero possivelmente porque não conheço bem a Suiça, mas não acredito que lhe falte qualquer coisa que a Suiça tenha (à excepção dos bancos, está claro!).

E aqui há de tudo.
Mal chegámos ao Hostel, o dono começou a inumerar-nos as múltiplas possibilidades que Bariloche oferecia: passeios de bicicleta, rafting, kayac, subir ao Cerro Catedral ou ao Cerro Otto, fazer o circuito chico, veleiro, cavalgata, mergulho...
Pensamos: "Parálo loco, parálo!!!!".
Só de o ouvir já ficámos cansados. Obviamente nesse dia já não conseguimos fazer nada.

Isla Vitória e Bosque de Arraynes

A excursão é turística - avisa-se desde já, aliás como todo o território barilochense.
Em Puerto Pañuelos espera-nos o Modesta Vitória, embarcação que nos irá levar á ilha.
Ao lado está o famoso Llao Llao, que pelo nome e pelo enquadramente paisagístico-arquitectónico poderia estar aqui, na China ou no Butão. É um dos mais caros hotéis da região, por onde já passaram muitos chefes de estado.

Apesar da beleza da Isla Vitoria parecer demasiado perfeita, idílica e construída, a verdade é que é impressionante.
A viagem a bordo do Modesta Vitória é feita no Lago Nahuel-Hapi, onde a voz ligeiramente irritante da guia (que já disse pelo menos 4 vezes que se chamava Maria Cristina) se impoem, e destrói o que poderia ser uma tranquila e harmoniosa travessia.

Assim que chegámos à ilha, eu a Joana e o Pol, desertámos do grupo de fiéis que seguia religiosamente as explicaçoes de Maria Cristina.

E estivémos no dolce fare niente durante um tempo até que uma resma de espécimes, que faz questão de fazer notar a sua presença através de poluição sonora e residual (e a que habitualmente chamamos turistas), invadiria o local, obrigando-nos a nova desertação.

A ilha é pequena e rapidamente se faz a visita e o reconhecimento.
Cheira a pinheiro, eucalipto, alfazema e tem enormes sequóias - árvores de origem americana que foram plantadas aqui, depois da flora da ilha ter sido devastada por um tal Orelio a quem o estado argentino tinha feitouma concessão por 99 anos., no final do século XIX.

Embarcamos de novo e a próxima visita seria ao Bosque de Arrayanes - bosque fabuloso e ex-libris da Walt Disey, onde famílias cheias de crianças apreciam o local e a cabana onde foi filmado o Bambi.

E se a ilha tinha sido um glorioso (apesar de turístico) pontapé de saída, o golo viria sobre a forma de restaurante. A cerejinha em cima do bolo chamar-se-ia Boliche Alberto.
Cerejinha não, perdão! Carne, muita carne, da boa, da genuína, da gaúcha, única, autêntica, carne argentina!
Meia-hora de espera fez-nos perceber duas coisas: a primeira foi que estávamos esganados de fome, e a segunda foi que tínhamos acertado na mouche! Uma grande foto do Chef Alberto segurando em duas enormes costillas só nos fez ter a certeza em como aquele lugar era o indicado para nós, sedentos de carne!
Bife de chorizo e bife de lombo deliciaram as nossas panchas.
Foi o abuso (houve quem falasse em orgia...). E este desmadre durou até á meia-noite e meia, hora a que nos arrastámos tal como podíamos para o Hostel.






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Bariloche, Via La Angostura





Apesar de já estarmos fora da Ruta de los Siete Lagos continuamos a ver água e verde por todo o lado onde olhemos.
As abelhas foram e continuam a ser o único elemento de distração deste paraíso e já todos gozavam comigo por causa das minhas estratégias sonoras - vulgo assobios - para afastar as desditosas abelhas, que incompreensivelmente eram mais c'ás mães.

Antes de partirmos para Bariloche visitamos Cierro Bayo. Estamos a 1710 metros, a montanha mais alta da região.

Teletransportados em cadeirinhas apreciamos uma vista brutal, que no inverno será uma das importantes estaçoes de ski.
Daqui vê-se o Tronador, um glaciar que está 3550 metros.

Ao nosso lado jovens argentinos com as suas biclas BTT, preparam-se para desafiar a vida.
O Pol, talvez estimulado pelo espiríto radical dos bicleteiros, desafia-nos para descer pelo vale em vez de descermos nas tele-sillas.

- Venga!!!

O resultado seria desastroso e doloroso.
Para além de termos ingerido quilos de pó por segundo - o que invalidava completamente a feliz banhoca da manhã - ficámos os três completa e abusivamente cheios de picos.
O Pol ficou com a perna esfolada, a Joana deitou fora as meias (tal era o incontável número de picos) e eu só não deitei o meu casaco fora porque era o único que tinha, mas estivemos 15 minutos para conseguir tirar todos os picos.
Já no final do dia ainda haveriámos de descobrir picos nos sítios mais estranhos e duvidosos....

Comprámos mantimentos num supermercado e um senhor pergunta-nos se somos de Barcelona (possivelmente porque nos ouviu a falar catalão).

- Somos da peninsula ibérica - respondemos - Ele é da Catalunha e eu de Portugal.

Com entusiasmo conta-nos que a sua mulher é a única portuguesa de Villa La Angostura. É de Barcelos.

Foi já na saída de Villa La Angostura, quando fui carregar com pesos o telemóvel argentino, que haveria de descobrir o misterioso enigma daquele aparelho tão intrigante e que me envergonha em todos os espaços públicos: era um telemóvel para cegos!!!
Por isso é que ele fala tanto e tão alto!!!!!

E através da mítica Ruta 40, chegamos a Bariloche.








sábado, 23 de fevereiro de 2008

Ruta de los Siete Lagos


O percurso chama-se Rota dos Sete Lagos, mas na verdade passámos por mais de 7: Lago Lácar, Lago Escondido, Lago Meliquina, Lago Hermoso, Lago Vilariño, Lago Falkner, Lago Traful, Lago Espejo, Lago Espejo Chico, Lago Correntoso e Lago Nahuel Huapi.

Em 150 kilometros um paraíso terrenal que varia entre o verde e o azul. Impresionante.
Quatro dias, três noites a acampar em lagos idílicos.

Um carro, 4 tripulantes, uma tenda de campismo, várias mochilas, muita tralha.
Muito sol, muita banhoca nos lagos. Verde, muito verde, montanhas que recortam o horizonte, cumes brancos (da neve), paletes de cores, de paisagens. Volta e meia gigantes azuis inundam o olhar: lagos, lagoas, cascatas, pequenos rios…



A verdade é que o lago Hermoso faz juz ao nome. É o nosso segundo mergulho do dia. A estreia em águas patagónicas ( um pouco frias, note-se) foi no lago Meliquina.
A água límpida. Não - estupidamente límpida, transparente. Montanhas ao fundo, uma calma assustadora. Ao redor, muito poucas coisas nos fazem lembrar da presença humana.
A natureza aqui ainda está num estado bruto, primitivo, selvagem.


Um sol forte, um corpo que agradece o calor e que se aconchega a ele.
Poderia viver aqui. Morrer, também.
Olho o Lago, leio Chatwin, comemos melão, empanadas, salada, passo os olhos pela guia verde e conjecturo próximo destino.


De um lado o Lago Faulkner e do outro o Vilariño.
No lago Vilariño onde montamos arraiais, o Pol toca acordeão enquanto a luz do dia se extingue.
Apesar do sol e do cansaço, a ideia de fazer uma fogueira ainda nos consegue entusiasmar.
Os olhos adormecem nas fagulhas de um fogo éfemero mas potente e ainda houve energia para um momento musical made in Lusitânia a 3 vozes, duas delas catalãs, num “ó rama ó que linda rama”.

No dia seguinte são notórias e violentas as marcas deixadas pelo sol e pelo desleixo de quem possivelmente acreditara que a pele morena dispensaria protecção solar.
De manhã, os bons dias seriam dados pelas águas calmas do Vilariño e por uma sessão de alongamentos na praia.

55 kms de uma caminho que os argentinos chamam ripio, mas que na verdade é um caminho de cabras. Espero que o nosso Clio se aguente à bomboca!...
A próxima paragem é no lago Traful. Compramos fruta, tostas, água (basicamente tudo o que existia para comer no kiosko) e nova banhoca.
O Traful é enorme e estende-se até se perder do horizonte.


E a vida resume-se a isto, a necesidades básicas. Possivelmente demasiado básicas... (o corpo já reclama um sabão e um shampoo!!).
Esse momento histórico do banho viria no dia seguinte em Villa La Angostura, onde acampámos num camping organizado e, luxo dos luxos com “agua caliente 24h”!
Foi a desforrra. Banhos quentes, demorados e iminentes.
Na verdade Villa La Angostura foi um mimo para o corpo e para o espírito – jantar num restaurante supimpa, comer cordeiro, beber vinito, de postre um vulcão de chocolate e não poderíamos adivinhar que o melhor ainda estaria para vir.

Um espectáculo surpreendente e intrigante: uma lua cheia, vermelha, acastanhada e impressionante!

Sem fazer ideia do que se passava e talvez com alguma culpa por parte do Sauvignon que tinhámos bebido, começámos a especular sobre as causas deste acontecimento: se era uma nuvem que estava por cima da lua, se não era a lua mas sim um planeta (falou-se em Júpiter e Saturno, mas sem os anéis) e quando as teorias mais científicas começaram a esgotar-se, começamos a inventar contos mapuches que explicariam o fenómeno.

A explicação, afinal óbvia, viria da boca de uns seguranças com ar trocista, que rondavam ali por perto: tratava-se de um eclipse total da Lua. Daqueles raros, que ao que parece só se voltará a repetir em 2010. Dizem....

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Saindo de Néuquen, em direcção ao Sul!





Foto da Ruka - coordenação das Organizaçoes Mapuches em Néuquen




Eu e os meus companheiros de viagem: Pol, Joana (esq.) e Liliana (dta)


A Liliana recomenda-me paciência. Aliás tudo no Terminal de Autobus de Néuquen me pede paciência. Parece impossível sair daqui. Compramos os bilhetes para um colectivo que iria para o centro e que supostamente sairia dentro de 5 minutos. Passado 30 minutos voltamos ao lugar do crime, ou seja, onde tínhamos comprado los mal-paridos boletos.
Observamos incrédulos a conversa telefónica entre ele e o motorista:

- "Pero como es que no tienes nafta (gasolina) ? Hay aqui gente esperando, venite!"

Parece que o motorista não está para aí virado. Devolvem-nos o dinheiro e nova investida, desta vez para a fila de táxis. Alguém diz que o colectivo de Koko está a sair para o centro. Agitação, corrida para a fila dos bilhetes.

Depois de estarmos 1h30 à espera de algum meio de transporte que nos faça sair deste sitio, a disposição e a paciência já não é muita. A Joana grita com o senhor da segurança,que volta e meia nos diz ora para sair ora para entrar; eu tenho uma crise de riso que me leva ás lágrimas, o Pol está desesperado e a Liliana apática.
Néuquen como cidade não tem nada de especial. O guia Lonely Planet diz que a cidade serve apenas de ponte para a Patagónia. Ainda assim tivemos a sorte de apanhar as festas da cidade, com vários concertos e espectáculos por toda a avenida principal.

O momento mais interessante da passagem por esta cidade consitiria na visita a uma fábrica.
A FaSinPa - Fábrica sin patrón.



Talvez não seja a visita mais óbvia quando se está na Patagónia, mas a verdade é que é uma fábrica com muita história. Chamam-lha a Fábrica dos Trabalhadores, ou Zanon ou FasinPa.

Fundada em 1980 pelo empresário Zanon ( um dos 100 empresários mais ricos da Argentina) esta fábrica de cerâmica foi ocupada pelos trabalhores,quando Zanon em 2000 (um ano antes da crise argentina) resolve fechar a fábrica, justificando falência.
Hoje em dia constitui um modelo de gestão dos operários e funciona como cooperativa. No entanto foram (e são) muitas as dificuldades e confrontos que tiveram que passar.

Visitamos a fábrica e ouvimos a sua história na primeira pessoa: Hugo é um dos trabalhores que está na fábrica desde a ocupação e contam-nos das dificuldade nos primeiros tempos: a fome, a ausência de dinheiro para comprar matérias-prima, de falta de conhecimentos de gestão (principalmente de uma fábrica enorme como Zanon..). Conta-nos como a população e os presos de uma prisão atrás da fábrica lhes deram alimentos para que sobrvivessem, contam-nos os conflitos com na polícia.
Dos 230 trabalhadores que tinha a fábrica em 2001, hoje têm 470. Pablo tinha sido despedido em 1999 por Zanon e conta-nos que em 2003 recebe uma chamada da fábrica, que já funcionava sem patroes e com sistema de cooperativa, perguntam-lhe se quer voltar a trabalhar na fábrica.
Aceita, diz sorrindo. "Hasta hoy!"


Despedimos-nos de Néuquen. Vamos um pouco mais para sul: San Martin de los Andes.
Qualquer semelhança deste autocarro com o anterior é pura coincidência: sujo, desconfortável, sem comidinha nenhuma (nem sequer um copo de água...), o ar condicionado completamente descontrolado que saía de um quadrado mesmo por cima da minha cabeça e até cheiro a urina tinha.

San Martin de los Andes parece a Suiça. casinhas de madeira, lojas de chocolate, tudo muito lindo, muito limpinho...
Ao som de "Eu sei que eu vou te amar" conduzo o Clio que acábamos de alugar.
A banda sonora, cortesia da frequência FM, Lisboa-Patagónia."Sta lapido na bô". Nem longe, nem distância.

Cá fora a paisagem é uma massagem para os olhos, como diz o Pol.
E cá vamos nós, fazer La Ruta de los Siete Lagos!!





segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Mari-Mari Kom Pu Ce

Mari-Mari Kom Pu Ce é uma saudaçao mapuche. Significa "olá a todos", mas traduzido à letra seria qualquer coisa como: os meus dez (dedos) cumprimentam os teus dez (dedos) e saúdam toda a gente!

Ouvir falar mapuche apesar de ser estranho (parece uma espécie de mistura entre o castelhano e o chinês!) e de obviamente não conseguir entender nada, é lindo!

Estão cerca de 40 pessoas na Ruka, casa que coordena as organizaços mapuches de Néuquen e que gentilmente nos acolheu. Fazem uma roda onde se faz uma especie de apresentação.
Muitos falam em mapuche, por isso não posso entender o que dizem, mas entendo que chegou um grupo de Ue Ce que ce (gente nova) do Chile e que existe outro grupo que amanhã vai sair para um acampamento.

O Lefxaru conta-nos um pouco a história Mapuche e as actividades e projectos da Ruka.

A civilização Mapuche é ancestral. Resitir parece ser a palavra de ordem para os mapuches. Resistiram à invasão Inca, resistiram à ocupação Espanhola, mas em 1850 quando começa a chamada Conquista do Deserto, levada a cabo pelo General Roca, a maioria da população é dizimada e outra grande parte esconde-se nas montanhas.
Hoje em dia o que sobra da população mapuche é incomparavelmente menos. Dos dois milhoes de hectares que possuíam, hoje em dia detém apenas 1/5 desses territórios.
Também a língua e os costumes se perderam no meio de tanta guerra, probiçoes, ditadura...
Não se consideram argentinos, são Mapuches e tem muito orgulho nisso.
Com mucha Newen (força) continuam a sua luta.O seu grito de guerra é Marici Wew! - que significa dez vezes venceremos!

Pewkajeal!



NOTA - Peço desculpa por ainda não haver fotos neste blog, mas aqui a patanisca é meio tonta e esqueceu-se de trazer máquina. Depois de muito "passeotar" em Buenos Aires, lá consegui encontrar numa loja de fotografia em segunda mão. Comprei uma canon G6, em segunda mão mas que está perfeita. Por isso em breve teremos imagens!
Já pior compra foi o telemóvel. Por fora é incrivelmente aerodinâmico e design, mas a verdade é que é um aparelho completamente desfuncional!
Obviamente era o mais barato e a própria senhora que mo vendeu era completamente descrente: "Esto... solo para hacer y recibir llamadas!". E riu-se. Muito.
Deve ser provavelmente o pior telemóvel da história do mundo, mas fala-me! Tem um menu em altavoz com um senhor que me diz o que consiste cada símbolo: "enviar un mensaje", "leer un mensaje", "cambiar timbre", entre outras informaçoes da máxima importância.
Nunca me sentirei só!

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Rumo a Néuquen

Sei que me esperam catorze horas de viagem de Buenos Aires até Neuquen, mas estou optimista.

A verdade é que o conceito de "autocarro" que tem os argentinos é muito diferente do nosso. Para começar aqui chama-se micros e são de grande qualidade.
Os comboios são praticamente inexistentes já que a maioria das linhas férreas foram desactivadas porque reprentavam um serviço que o estado considerava demasiado caro. Assim que todas as viagens neste país que parece não ter fronteiras e não acabar nunca, se fazem de autocarros.
E devo dizer que a Continental Airlines teria muito a aprender com a Via Bariloche. Aliás todas as companhias de aviação do mundo teriam muito que aprender com as empresas de autocarros argentinas. Principalente na parte do cathering.
Falo este entusiasmo porque acabo de me deliciar com uma fantástica lasanha de carne e vegetais!

Ao meu lado viaja uma senhora com a filha que deve ter três ou quatros anos. Está excitadissíma com tudo: a almofadinha, a manta polar,o tabuleiro, os talheres, a salada fria, o pudim, la dulce de leche, os assentos que se inclinam e fazem quase uma cama. Eu estou muito mais excitada do que ela com todas estas novidades e comodidades, a única diferença é que estou caladita.

Depois da fantástica refeição reclinar a cadeira completamente e dormir enroladinha na manta.
(nota- as mantinhas polares são indispensáveis porque os argentinos tem uma relação doentia com os ares condicionados e faz un frio que te cagas no micro!)
Estou com um grande débito de horas de sono. Ontem insónias. Para além do mais, o hostel estava en fiesta! A Ludmila fazia anos e havia muita animação, cerveja, empanadas e argentinos e mexicanos que ocupavam um grande espaço sonoro. Saí à francesa da festa, porque quando tentei despedir-me, começaram a cantar, gritando: "que la portuguesa no se vaya!"

São 9h da manhã e estamos quase a chegar a Néuquen. Entro na mítica região patagónica.
Antes de apanhar o autocarro fui deixar algumas malas (tenho mesmo de aprender o conceito de travel light...) e beber um mate frio na casa da Maru, o meu anjo da guarda argentino. Está com um baralho de cartas osho-zen. Diz-me para tirar uma. A consciência. Está relacionada com viagens. Viagens do conhecido para o desconhecido, viagens do desconhecido ao incogniscível. Curioso...

Lá fora a paisagem desértica.
A menina que viaja ao meu lado começa a ficar impaciente. Eu também. Ela canta e eu escrevo.

O Pol está à minha espera na estação. Mesmo neste imenso país consigo sentir que o mundo é pequeno. É incrível reecontrar este meu amigo catalão aqui, na Patagónia! Sorrio com estas agradáveis coincidências da vida.
Explica-me que ele e a Joana estão à dois meses a viajar pela Argentina e que agora estão a ficar num centro de coordenação dos Mapuches de Néuquen. Houve festa ontem e quando chegamos todos estavam com cara de ressaca. Falam-nos do trabalho que realizam na defesa da cultura Mapuche, quase toda dizimada no secúlo XIX.

Oiço. Tento absorver tudo. É muita coisa, principalmente muita coisa nova.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Che Buenos Aires!!!

São duas da manhã, o corpo está podre, mas o entusiasmo e a intensidade de Buenos Aires não me deixa dormir. Por isso escrevo.

Acabei de chegar de una cenita em casa da Barbara, uma amiga da Maru.
A fluidez dos encontros e a boa onda das pessoas com que vou estando parecem abençoar-me.
A família da Barbara é divina, as histórias amorosas da Lucile, irmã da Maru, são empolgantes, e o Pedro, um brasileiro de São Paulo, e o Mariano vieram juntar-se à festa.
Estoy rebien! Soy una re-pelotuda! (...e divirto-me a repetir a gíria argentina, numa tentativa de ser menos gringa...)

Ontem estive até às tantas no hostel Che, que foi a casa da minha amiga Ilda, a falar com os seus amigos. Ildinha, mi amor, tenho a informar-te que todos te estrañan un montón e a Bea assim que viu disse-me " Tu di-le a tu amiga que estoy muy enojada con ella. Me ha dicho que volveria, la perra." Semeaste o teu amor e a tua generosidade também por esta terra! Por onde passas,a tua genuinidade marca quem te conheceu.

Sinto Buenos Aires de forma familiar e ao mesmo tempo intensa. Tudo é imenso, tudo é exagerado:a extenção das ruas, o mapa da cidade, as lojas, o calor,as avenidas, os autocarros, o trato afável das pessoas, como te respodem a uma pergunta tipo:
- "Que colectivo (entenda-se autocarro) pasa por Santelmo?",
- "Ahora me mataste!"

... é lindo e inarrável.

Amanhã acabar de tratar de coisas burocráticas e preparar tudo para ir Patagonear!!

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

uma odisseia intercontinental

8h30 aeroporto da portela. despedidas e questionários.

Um senhor, com uniforme da Continental airlines com um ar inquiridor e seguramente treinado pelo FBI, faz-me demasiadas perguntas. Pergunta-me quem fez as malas, onde é que estiveram antes de vir para o aeroporto, se recebi alguma coisa de alguém, qual é o objecto mais perigoso que transporto. Faço um esforço muito grande para não me rir e com um ar muito sério de pseudo-criminosa respondo-lhe: "uma pinça!". Não me perguntou se tinha intenção de assasinar o presidente dos Estados Unidos. Tive pena.

Este episódio iria repetir-se mais uma vez, exactamente as mesmas perguntas idiotas mas com o upload de também ter que ligar o computador e tirar os sapatos. Perguntam-me se tenho explosivos e tenho vontade de responder " claro que sim! aliás nao viajo nunca sem eles! mas desta vez estou com um pouco de pressa,não sei se os utilize... ". ahhhhhhh.....

Porta de embarque. Calafrio. A despedida é sempre um momento dificil (não fosse eu uma inveterada lusitana adicta em "saudade") e a água dos olhos da minha irmã rapidamente se transfere para os meus. Até já....

Lisboa-Newark

As primeiras sete das muitas horas que se iriam seguir a este itinerário de viagem, que consiste em dar meia-volta ao mundo para chegar ao meu destino, passam vagarosamente.
Buenos Aires faz-se pagar, penso..

13h30 hora local . Chegada a New York.

Não vejo sinais do que me dizem ser a grandiosa Nova Iorque. Olho lá para fora e vêm-me à cabeça aquele grande êxito da chanson portugaise: "Cai neve em Nova Iorque, faz sol no meu país..."
Neva, portanto, muito....

Quando percebo que os senhores da Continental me vão obrigar a tirar as malas e fazer um novo chek-in, conto até 10 e tento pensar em coisas bonitas para não me irritar muito. Em vão. Irritadissíma e cheia de malas (coisa que de facto não é responsabilidade da Continental mas não importa) volto a entrar noutro avião (igual) onde à entrada me espera o mesmo festim surreal e decadente que consiste num monte de pessoas descalças, a tirar tudo das malas diante do ar desconfiado e de pânico dos guardas.

Newark-Houston

Há duas horas e meia que estamos no avião e nada. O avião paradíssimo e ninguém diz o que se está a passar. Enquanto os passageiros americanos mantém o seu ar sereno e apático, os passageiros argentinos começam a "levantar onda" e a inquietar-se ( por razoes óbvias encaixa-me mais no segundo grupo do que no primeiro...). Ainda por cima estou retida num avião que se chama George Bush Intercontinental. Um mal nunca vem só.
Lá fora, neva, neva, neva.
Levanto-me e vou ter com a Maru, com quem tinha trocado meia dúzia de palavras na sala de espera e que viria a ser a minha grande companheira de viagem.

Depois de darem um duche ao avião (por causa da neve, calculo), finalmente arrancamos.
Apesar do cansaço, a dificuldade em dormir é muita. O lugar ao lado da Maru é muito melhor que o meu, tem imenso espaço à frente e dá para esticar as pernas. Ainda assim nao consigo dormir. Conversamos. Sobre as nossas vidas, percursos, Buenos Aires, Europa...

Nova paragem: Houston - Texas

Com tanta escala, tanta hora de voo, já não sei que horas são, nem a quantos jet legs ando.
Sei que estes americanitos estão mesmo muito empenhados em "tocar-me las bolas"... atão não é que nos obrigam a sair outra vez só para voltar a entrar no mesmo avião????
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Terceira e última (espero!) parte do trajecto : Houston - Buenos Aires

Quase morro quando a hospedeira me diz que são mais 10 horas e meia até chegarmos ao meu destino final. "No puede ser, no aguanto" - desabafo com a Maru. Ela diz-me que pode "compartir" comigo um valium que tem, para dormirmos as duas como "angelitos". Aceito mas peço-lhe que não me deixe ficar no avião se não acordar quando chegarmos a Buenos Aires.

Apesar do extremo cansaço, da sinusite a piorar e do rabo quadrado com a forma da cadeira, os olhos riem e emocionam-se quando o Ricardo e a Maru me dizem que estamos a passar no Mar de la Plata. De prateado não nada, mas é um serpenteado e impressionante rio de cor castanha e viva!
São 13h30 (hora local), estão 24 graus e chegámos a Buenos Aires. Finalmente!

Não sei muito bem como, mas suponho que é por ser "una pelotuda", acabo em casa da Maru, num ambiente familiar, extremamente afável e acolhedor a comer uma bela refeição argentina.
"Bienvenida" -diz-me a Maru e a família dela.
"Gracias!" - responde-lhes.

Não tenho como não me sentir em casa!

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Próxima Estación: Buenos Aires


Faço malas. Desfaço malas. Procuro passaporte, boletim de vacinas, mapas...
Tento preparar bem as coisas, afinal ainda são 4 meses...o que é que é essencial? - pergunto-me.

Faço listas de afazeres, de coisas urgentes, de coisas pendentes. De coisas que não me posso esquecer, de coisas que me quero lembrar. Envio mails, procuro casas, ensaio sotaques:  "viste boludo!", sorrio com coincidências, sinto nostalgia, fervor, saudades e excitação..tudo ao mesmo tempo. 
Com o entusiasmo e  a ansiedade descontrolada de uma criança de 4 anos, traço destinos, rotas e percursos com exagerado optimismo.

...."Voy a pasar el charco", o atlântico, portanto!!




Hasta luego, boludos!!!!!