domingo, 27 de abril de 2008


Chico Buarque - Tanto Mar

Foi Bonita a Festa, pá!





Outono em Buenos Aires. 
Não parece porque faz muito calor mas sente-se o tempo a arrefecer. 
O Parque Lezama convoca um baile  de folhas secas e amareladas que esvoaçam em espiral pelo meio das árvores. 

É 25 de Abril. 
São nove da manhã e compro na florista o meu "sagrado" cravo vermelho, que orgulhosamente exibo pelo meio da agitada rotina matinal porteña.
Esteja onde estiver, acho que nunca conseguirei passar este dia "em branco", e levando esta ideia às últimas consequências resolvo convocar uma festa comemorativa da respectiva ocasião!

Como se sabe, o prazer que tenho em dar festas é mínimo e praticamente inexistente -  até porque, como diria o meu amigo Gui "não estamos aqui para nos divertir" - mas o meu espiríto de sacrificío é tão grande que cedo à ideia da festa! 

Atão era o dia 25 de abril e no 3ºB da Calle Defensa nº1763, houve festa e da "braba"!!
As pessoas iam chegando com bebida, boa disposição, instrumentos de música e cravos vermelhos. A casa ia enchendo-se de gente e convidava-se à festa, naquele que seria o 25 de abril mais multicultural da minha vida.



Argentinos, chilenos, espanhóis, italianos, mexicanos, franceses, holandeses, americanos.... 
Quase todos trouxeram cravos. Os que não conseguiram encontrar, fizeram cravos de papel!!! Não queria acreditar!
Festejaram e partilharam comigo um dia muito especial, e que possivelmente a eles lhes dizia muito pouco ou nada.  
Foi o seu carinho, afecto e entusiasmo que construiu a ponte que aproximou Latino América de Portugal (a tal ponte 25 de abril,quiças...).
A tantos mil quilómetros e tão perto! 
Esta sensação já tinha sido sentida outras vezes noutras ocasiões, o que só prova que o ditado está errado- longe da vista também pode estar perto do coração... muito perto... 

O Zeca canta-nos o Grândola, Vila Morena e um coro uníssono de vozes junta-se à voz dele e grita vário"viiinte cinco de abril siempre!!", que me emocionam e me fazem ficar com pele de galinha.

Cantou-se a L'Estaca, a Bella Ciao, La cucaracha, Hasta siempre, e outras músicas revolucionários de vários sítios do globo. 



O sector espanhol introduz uma música para cantar à desgarrada cujo estribilho era "La Tarara si, la Tarara no, la Tarara madre, que la canto yo!!" e que ficaria para a história como a música-top da festa e também de certa forma, a responsável pelo seu final.
Eram já duas e meia da manhã mas os animos estavam em alta, a música cantava-se num volume altissimo e quase gritado, acompanhado por patadas no chão que marcavam o tempo.
As consequências da vitalidade fiestera não se tardariam a sentir. 

Campaínha. Silêncio. É o vizinho do lado.
Diz-nos : "Che, que buena onda, pero es que tengo un niño pequeño"
Desfazemo-nos em desculpas e que iremos abrandar o barulho e música ao vivo. 
Para grande espanto e surpresa de todos responde-nos que não quer que paremos, que estava a gostar muito do que estava a ouvir. 
Imediamente convidamo-lo a juntar-se à festa. Hesita porque tem o filho pequeno em casa. Digo-lhe que pode trazê-lo e pô-lo a dormir no meu quarto (por onde aliás já tinha passado a filhota da Augustina). 
 - Che, qué buena onda es el vecino!!! - comentamos todos.

A presença portuguesa reforça-se com a chegada de 3 portugueses que se juntam à festa e que são calorosamente recebidos.
Chega a Karina, cantora porteña de fados e tangos e regala-nos um divino "Barco Negro"...



Novamente a campaínha. Novamente momento de suspensão. 
O vulto de um senhor pelos seus 40 anos, aparece-nos revoltadissímo por detrás da porta.
Olha incrédulo e desconcertado para a numerosa quantidade de pessoas que o fitam apreensivas. Pergunta : 

- "Pero quien es el dueño...Donde está el dueño?"

Num tom acusatório que quase roça os maus modos, diz que não acredita como é possível que a raça humana consiga fazer tanto quilombo!!??
Claro que o pobre senhor tinha toda a razão, principalmente porque tinha que trabalhar no dia seguinte, mas a sua expressão de total e absoluta incompreensão e o seu ar atónito e perdido, tornou este momento no mais cómico-trágico da noite!

A festa ainda se prolongou até mais tarde mas sem cantigas, palmas e principalmente sem patadas no chão...!

No dia seguinte, ao pequeno-almoço, eu e a Sílvia (mi compañera de piso) voltamos a ter um ataque de riso quando nos lembramos da multidão descontrolada a cantar a Taranda golpeando o chão, e imaginamos a cara perturbada e assustada do vizinho de baixo, seguramente em pânico que o tecto lhe caía cima....





"Todas las voces todas
Todas las manos todas,
Toda la sangre puede 
ser canción en el viento
Canta conmigo canta, 
hermano americano
Libera tu esperanza 
con un grito en la voz"

                                      in Canción con Todos


sábado, 19 de abril de 2008

Humo en la Ciudad....


Depois de andar ciganeando de casa em casa, miss patanisca andrade encontra poiso próprio.
Entre a Boca e San Telmo, e em frente ao Parque Lezama, está o seu provisório e acolhedor ninho porteño.

O Seminário Internacional de Formação do Actor começa. Os ritmos alteram-se profundamente e ao cansaço  de uma viagem muito intensa junta-se o inevitável cansaço de uma outra viagem (Lecoquiamente falando) e de passar 7 horas por dia numa sala com um trabalho muito físico e com muita  informação para armazenar no meu disco rígido.
Mais do que um professor, Norman Taylor que inicia o estágio, é um mestre,um guru do movimento cénico e da máscara neutra, e o grupo recebe entusiástica e generosamente os seus  ensinamentos. 
As suas primeiras palavras resumem o seu carisma, sabedoria e eficácia pedagógica:
 - "O corpo humano tem várias estações. Pode estar sentado, de joelhos, deitado ou de pé. Pode estar na diagonal, horizontal ou vertical e cada um pode escolher a estação do seu corpo. 
Todos de pé, por favor!"
 
Reecontro amigos que fiz na viagem,  e a simpatia, o calor e a generosidade  das pessoas faz-me crescer sorrisos nos lábios e dá um "toque" muito especial à estadia em Buenos Aires.

Vou a Natália ao teatro. No caminho conversamos sobre a enorme nuvem de fumo que se abateu de forma fulminante sobre a cidade. 
A Natália goza com o meu ar dramático quando lhe pergunto "Pero porqué este humo? e por isso responde-me com uma voz exageradamente dramática: "Greenpeace.. por favor.. ayudanos!!"

A verdade é que, brincadeirinhas à parte, o que se passa por estes lados é preocupante, inédito e aterrador. 
É o terceiro dia consecutivo em que a neblina ataca ferozmente os olhos. Os pulmões e a garganta sentem bem este abuso de fumo. Muito fumo, muitíssimo! Nunca vi nada assim. 
Os jornais falam em "la contaminación atmosférica más grave de la história".
Uma queimada massiva de campos que estão a cerca de 100 quilométros de Buenos Aires (habitual todos os anos mas agora descontrolada), é a causa desta fumarada irrealista.

Nunca uma cidade atraiçoou tanto o seu nome... É que antes o seu aire já não propriamente "bueno", mas então agora nem se fala....

Depois de ter apanhado uma gripe forte causada por uma brusca descida da temperatura (nada mais nada menos do que uma diferença de 20º graus) agora é a vez da garganta e do nariz sinosítico se manifestarem e incomodarem profundamente a vida de quem está a tentar disfrutar uma cidade nova.

Se estivéssemos em Portugal até veria com "bons olhos" e não hesitaria em relacionar este fenómeno como a tão esperada  aparição do nosso mártir... mas aqui..... não sei o que pensar.. é pouco provável que D. Sebastião se tenha enganado de país...!

E enquanto vagueio por entre a bruma escura e ácida deste Buenos Aires ahumado e com o peso de uma substância estranha que faz força sobre a minha cabeça, imagino Astérix pensativo e preocupado...
Evidentemente a possibilidade de que o céu nos caía em cima já foi bem mais remota e disparatada!



                                                                         BBC


                                                                 L.A Times

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Um Quilombo de Regresso...

A chegada a Buenos Aires faz-se com grande agitação e incerteza.

Na estação de Omnibus de Salta muitas são muitas as pessoas que esperam desesperadas....
Motivo: há cinco dias que as estradas estão cortadas e muitas companhias cancelam viagens. A empresa A.Brown diz que o micro das 15h irá sair. Hesito em comprar o bilhete.
Nisto,
uma senhora afoita e nervosa chega e pergunta pelo paradeiro de um autocarro que saiu à dois dias de Salta e que ainda não chegou a Buenos Aires. Nessa autocarro viaja o seu marido. Desabafa:
- Es que mi marido es hiper tenso....

E de repente a hesitação transforma-se na certeza absoluta de que não irei de autocarro e que não passarei 72 horas dentro de um autocarro sem uma previsão concreta de chegada. Pergunto a várias pessoas o prognóstico da situação. Indeterminada e imprevisível - respondem-me.

Isto poderia não ser um problema, não fosse o caso de ter de estar impreterivelmente em Buenos Aires para começar o meu curso ( sem dúvida a verdadeira razão de estar na Argentina neste momento!)

Resta apenas uma opção: o avião.

Apesar de tudo isto ter alterado de forma bastante caótica a minha vida, e de estar sitiada em Salta, não consigo negar o frisson que me dá estar aqui a viver este momento histórico.
Por todo o país organizam-se manifestações, caçeroladas, protestos! É a revolta do campo!

Basicamente, e explicado de forma bem simplista, estes protestos dão-se quando o Governo Kirschner anuncia algumas medidas que pretende implementar, nomeadamente a subida de impostos para todo o sector agrícola. Quando falamos em subida não falamos de 4% ou 6% nem mesmo 10% - falamos de um aumento de 22% para 44% - o que a mim, assim à partida, me parece uma brutalidade.

No Hostel, espero ansiosamente pelas 18h para ouvir o discurso de Cristina, la presidenta.

Os que me conhecem bem, sabem exactamente o que este tipo de coisas potencia em mim; não consigo deixar de sentir o sangue revolucionário a correr-me nas veias, discute-se política em todos os lados, toda a gente quer e precisa de falar sobre isto!
(...e secretamente, sonho e desejo um golpe de estado!!! Eh eh!!)

Já que " no meu país do sul não acontece nada...", sorrio emocionada e excitada por estar a assitir a um momento de tanta agitação social. Um verdadeiro quilombo, como se diz por estas terras!!

E com o país num quase estado de sítio, regresso pelos ares à capital argentina!

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Noroeste Andino III




Província de Jujuy.
São muito poucos os kilómetros que separam a Argentina da Bolívia.
Iruya será provavelmente o último destino antes do regresso a Buenos Aires.
Os caminhos percorridos já contam com uma quilometragem razoável e as viagens dentro da viagem continuam a ser uma epopeia singular.

Os olhos estão em "modo observação" e procuram tudo absorver e registar. 
Aqui, no Noroeste Andino toda gente masca folhas de coca. Têm as gengivas muito inchadas e constato que um dentista aqui teria muito trabalhinho...

Também os cemitérios, apesar de obviamente não serem locais propriamente turísticos, chamam-me a atenção pelas cores...





Em Humauhaca apanho o micro para Iruya

Primeiro é preciso dizer que o caminho para Iruya é um não caminho.
São 3 horas para percorrer 60 kms e existem 2 autocarros por dia. 
O colectivo, qual todo-o-terreno, passa por estradas impossíveis, faz razias impressionantes às montanhas, passa por cima de rios, buracos, obstáculos, pelo meio das nuvens e desafia a gravidade.

O pôr-do-sol desenha com traço fino e perfeito as silhuetas das montanhas, das colinas e dos animais que prodigiosamente vivem nos seus cumes.
Flores amarelas, vermelhas, roxas e brancas rompem com a austeridade das montanhas. 
Até o Julio Iglésias argentino de terceira categoria, banda sonora do autocarro, me parece aceitável.



São sete da noite e começa a escurecer. O que antes era uma paisagem verde e florida rapidamente se começa a transformar em escuro, breu e nada.
Ao deslumbramento junta-se agora alguma inquietação, um nervoso miudinho.
Uma espécie de nó na garganta que se alastra até ao peito. 
Progressivamente aparece o receio, o temor, o medo e o pânico. Depois o medo estagnou e ficou só medo.
Sabia que ainda teria pela frente, pelo menos mais duas horas ( isto se conseguissémos chegar....  o que a desaustinada condução deste jujeño louco me fazia duvidar...).

O caminho para Iruya é um arrepiante caminho através do nada para chegar a parte nenhuma.

Subimos. Não sei a que altitude estamos mas sei que estamos cá em cima. Principalmente os meus ouvidos dizem-me que estamos muito alto.
A toda a velocidade, este velho autocarro passa empedrados, estradas estreitas, curvas muito apertadas, riachos, caminhos da Idade da Pedra, improváveis ladeiras...
Fecho os olhos.
A barriga também dá o seu alerta. Acho que pela primeira nesta viagem sinto medo.
Até considero que aqui a patanisca é meia destemida.... mas desta vez e falando em bom castelhano, está "cagada de miedo!".

E só me vinha à cabeça uma frase que o meu pai costuma repetir algumas vezes: " Deus proteje os audazes", mas na minha cabeça não soava como um provérbio, era um desejo, uma prece, uma súplica...

Noite cerrada. De vez em quando faço algumas investidas ao telemóvel para checkear horas.
Não se vê qualquer luz, nem nenhum sinal de proximidade com nada e muito menos qualquer vestígio de Iruya.
E enquanto a respiração se corta e o coração se acelera, a música que me fazem ouvir não podia ser menos consensual com o meu estado interior - o pimba do cantor romântico argentino,  que antes até passava despercebido, arranha os meus ouvidos com a seguinte letra " Ai mi amor, quedáte comigo como una cachorrita"....

Depois de duas horas de viagem, todos as partes e orgãos do meu corpo reclamam e gesticulam nervosas e exaustas: o esófago, a bacia, o estômago, os ouvidos, a bexiga...
E tenho sede, fome, frio e só me apetece gritar: " já não quero brincar mais.... quero a minha mãe e o meu pai!!". 
Mas estou sozinha, a 2500 kilometros de Buenos Aires e a 10 mil do meu país...

Depois do queixume infantil, vem o monólogo interior, o sub-texto auto-flagelador. Falo para mim, falo contra mim, com pensamentos num castelhano bem argentino:
- Porqué sós tan boluda, Cláudia??Que siempre te pasan estas cosas, y te pasan por colgada que eres!!Que no aprendes nunca chiquilla??
E desanco a meu lado aventureiro e às vezes tão irresponsável.

E já não sabia se o pior era o estar nas mãos deste desvairado condutor, qual Ayrton Senna dos pobres ou o suplício de ter de aguentar a música mais pirosa do mundo.
Isto para não falar da problemática seguinte que seria arranjar alojamento às 22h da noite numa terra de fim-de -mundo. Isto, claro... se chegassémos.... 

Quando o motorista resolve pôr ainda mais alto a música, conto até dez na esperança que isso acalme a minha fúria e o túmulto interior pronto a explodir.
"Maria era pobrecita.. sus padres le batian...".

Pois é...

"Tudo isto é triste, tudo isto existe.... tudo isto é Fado.....!"
Trulum Tum Tum.

Fim de linha.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Noroeste Andino II


No Hostel Correcaminos sou incrivelmente bem recebida pela Mariana, o Fernando e o Sebástian.
Estamos na cidade de Salta, capital da província que tem o mesmo nome.
É conhecida como Salta a Linda, mas até agora ainda não consegui comprovar o seu cognome. Aliás, nem quero. É precisamente essa a premissa do dia hoje: não ver nada lindo nem deslumbrante! Descansar os olhos, o corpo, comer... E decidida a fazer uma refeição à "gringa", aterro numa esplanada da Praça 9 de Julio!


A contagem decrescente da viagem começa e com ela alguma ansiedade, tristeza e cansaço acumulado. Um certo quotiano, também.
As viagens depois de um certo tempo, tendem a transforma-se numa sucessão de procedimentos e acçoes condicionadas; como olhar mapas, decidir destinos, escolher hosteles, realizar rápidos reconhecimentos geográficos, fazer mochila, desfazer mochila, refazer mochila..
Locais como autocarros, terminales de autobus e hosteles de diferentes cores e feitios, vão sendo provisórias casas.
O quotiano do viajante não muda, mudam apenas os locais onde se dá esse quotidiano e assim a paisagem transforma-se em ponto fixo, o espaço interior dilata-se e o desconhecido transforma-se em algo reconhecível, familiar e amigo.

E aqui no coração do noroeste andino e às portas da Bolívia, a viajera delicia-se com a gastronomia local: come humitas, tamales, locro, cazuela de cabrito e outras coisas que tal...






Mais para norte vamos. O caminho até Tilcara é acompanhado por vistas desafogadas, desérticas e desconcertantes. Começo a sentir uma forte pressão nos ouvidos e compreendo que isso é devido à altitude a que estamos. Tilcara está a 2458 metros.

Na estação de autocarros pergunto pelos colectivos para Purmamarca.
Uma senhora, com inconfundíveis traços andinos e com um sotaque lento e arrastado, diz-me:

- No mamita... no vamos pá allá!

Surprendida e derretida, digiro a sua resposta com um sorriso. É que não foi só facto de me chamar mamita, foi a forma natural e de extraordinária ternura com que o fez..





Nunca uma viagem de 30 km se me fez tão longa.
Depois de ter feito viagens de 4, 6, 8, 10, 16 horas, achava cientificamente impossível que uma viagem de 40 minutos seria comparavél a uma descida aos infernos....
Um autocarro com dobro de passageiros para a sua capacidade, muita gente de pé encaixada uma na outra, calor... - até aqui nada de anormal.
Até que um pai decide que um autocarro cheio de gente é o lugar perfeito para fazer demonstracoes de afecto à sua filha.
Então o pai dizia: "Dáme un beso" e ela "No"; e outra vez "Dáme un beso" e ela "No" e este inquietante diálogo repetido mais meia dúzia de vezes. Depois: "Sós fea!" e a menina respondia "No" e ele repetia "Sós fea!" e a menina gritava "No" e desprovido de qualquer sentido de contradição ia intercalando com "quien es la más linda?" - frases que obviamente gastou até a morte.
Moral da história; o que para uns pode ser amor paternal, para outros pode ser um autêntico pesadelo!

Quando chego a Purmamarca sei que me espera o ritual sagrado do viajante:oficina de turismo-hostel-mochila-banho...





Passeio pelo Cerro de las Siete Colores e um senhor já com alguma idade que fazia cestos, alerta-me sorridente:
- Cuidado con el Duende...

Devolvo-lhe o sorriso, mas acrecento maliciosamente:
- El que tenga cuidado comigo!

São muito crentes e supersticiosas as pessoas destas terras, e as lendas e histórias sobre duendes e entes estranhos e sobrenaturais, multiplicam-se.

O que não é lenda são as Salinas Grandes - o que penso que se poderá verificar pelas imagens que se seguem...






E que alguém achou que seria o local ideal para evocar Darwin e a sua teoria da evolução...

terça-feira, 1 de abril de 2008

Noroeste Andino I


Deixo Mendoza, cidade que é uma espécie de Buenos Aires em miniatura, com os seus cafés e bares e lojas fashion, e finalmente rumo ao norte. Antes, e enquanto dou o último passeio algo me desperta muita curiosidade e interesse..






Pode parecer uma repetição ou um lugar comum (principalmente neste blog), mas por incrível que pareça, o que vejo lá fora é completamente diferente do até agora visto.

Árvores que parecem choroes e arbustos com capachinhos verdes e abundantes que criam um aspecto curioso e divertido. Olho os montes e montanhas. Não são verdadeiros... não podem... são uma surreal composição de um artista visionário e louco, forradas com alcatifas verdes. Nessa artística e grandiosa obra de arte, passeam nuvens como se nunca tivessem pertencido ao céu, mas sim às montanhas.

Estamos no norte da Argentina, na província de Salta.
Lá fora, a Selva.
Não mudamos apenas de província, aqui tudo é diferente: as feiçoes das pessoas, a indumentária, a vegetação,os cheiros, os sabores. Mudamos de província, de região, de país, de continento. Estamos noutro mundo.








O micro sobe por ladeiras estreitas, cruza as nuvens e eu.... não é que esteja apenas nas nuvens... ... é que por terra, nunca estive tão perto do céu..!
De um lado selva e do outro deserto.
De Mendoza a Cafayate são 18 horas de viagem. (exactamente o dobro que de Bragança a Lisboa...!!Xutos Olé! eheh!!).


Cafayate é um pueblito sitiado por enormes montanhas. Aqui está a Quebrada de Cafayate, considerada também Património da Humanidade.
Agora a sério.. é demais!! Não se pode! Andamos uns passitos ou damos um pontapé numa pedra e zás... temos carradas de Patrimónios da Humanidade!!

Da
Quebrada o que mais me impressionou foi um conjunto de montanhas que se chama La Yeseria. Enquanto passeamos pelos trilhos da Yeseria, o único pensamento que existe na minha mente é de profunda incredulidade: "Mas o que é isto?"

I
magine-se o que seria uma tela gigante com relevos. Imagine-se agora que essa tela tem 100 metros de altura por 200 de largura. Imagine-se que existem 4 cores que se distinguem de forma perfeita e fulminante. Tonalidades de castanho e vermelho, amarelo, verde e branco.
Não há explicação.

Bem, na verdade há. A explicação científica está relacionada é a oxidação de quatro minérios e que transformam o que poderia ser uma simples montanha numa divina obra-de-arte.

A máquina fotografica está muito parecida comigo.. diz "low battery".
São já muitos dias, muitos kilométros, muitas viagens de autocarro, muitos
hosteles, muitas pessoas, muita informação, muita beleza...
Os olhos estão exaustos e o corpo acompanha.

Não posso acreditar...!!! A beleza deste país, os seus contrastes, paisagens, criam-me stress.... o stress da beleza, o stress de buscar forma de traduzir e comunicar tudo aquilo que eu desconhecia existir e com que me delicio constante e exageradamente!


Aqui os meus companheiros de viagem, são argentinos, mais exactamente argentinas e porteñas (de Buenos Aires, portanto). O Sul e os seus preços europeus (e por isso proibitivos para os argentinos), faz com que muitos tenham muita dificuldade em conhecer o seu país, a sua Patagónia.
Encontro a Betina, a Mónica, a Eugenia e a Carolina assim que entro no Hostel Ruta 40. Os donos não estavam, descobrimos mais tarde que tinham abandonado o
Hostel para ir comprar cerveja (este é o verdadeiro espírito descontraído do norte!) e foram elas que me receberam e acolheram.

E a certa altura, enquanto bebiámos cervejas no pátio do hostel, alguém disse:

-
Vamos à los Medanos? Está luna llena y estará re-bonito!!!

E fomos.

Os Medanos constituem um fenómeno inexplicável.
No meio de um enorme e pantanoso bosque vejo surgir diante dos meus pobres olhos, já tão sensíveis às demolidoras paisagens argentinas, algo que consigo reconhecer mas como se estivesse fora de sítio. O sentimento de incredulidade é total e absoluto: os Medanos são umas enormes dunas! Mas quando digo enormes, digo nunca antes vistas! E no meio de um bosque!!!
Inexplicável era também a quantidade de insectos e mosquitos que viram com muito bons olhos a chegada de um banquete humano!

E cheias de picadas de insectos, de lama até aos joelhos, areia e água.. regressámos ao Hostel!