sábado, 22 de março de 2008

Valparaíso, meu amor



Valparaíso ou Valpo como lhe chamam os chilenos, era um dos destinos mais esperados desta viagem. Por isso e por saber que as expectativas que sempre nos dificultam a tarefa de viver o presente e nos fazem ficar com uma sensação de dívida, procuro ignorá-las e esquecê-las.
Na verdade esse esforço não seria necessário. Foi amor à primeira vista, na exacta e real medida da expressão.

Desde logo uma estranha e forte familiaridade, que cresce na proporção da minha estadia aqui.
Quando me perguntam de onde sou e digo que sou de Lisboa, todos me respondem o mesmo: "Te sientes en casa, no?"

A verdade é que sim. Sinto-me em casa.
De forma inevitável e sem saber bem porquê, Valparaiso produz-me uma sensação de êxtase e de enamoramento. E não sei se é pela sua desordenada beleza, se pelo seu caos urbanístico, se pela sua louca arquitectura, se porque o Pacífico a abraça; se pelos seus 45 cerros , se pelos vários ascensores que nos transportam a vistas espectaculares e surpreendentes ou se é porque me faz lembrar de Lisboa.

E não sei se coincidência ou destino, às 17 da tarde passamos por um café que emanava tão boa onda que decidimos entrar. Chama-se Café Vinillo e viria a ser um dos sítio onde passariámos mais tempo.
O Ivan, o dono do Café, é um apaixonado pela cidade e transmite-nos essa febril atracção fatal. Conversamos sobre Chile, Portugal, Lisboa - sobre o que nos aproxima e o que nos separa.
Digo-lhe que Lisboa é a cidade das 7 colinas. Ele responde-me que Valparaíso tem 45. Risos.

À conversa vieram juntar-se o Pato, o Marco e Pelado. E a conversamos sobre globalização, futebol, fronteiras, nacionalidades e nacionalismos, literatura, cinema, ditaduras e minorias, pela noite dentro.



E não são apenas os elevadores, os eléctricos, o sol, a luz que me é tão próxima e tão familiar; são também as pessoas, e o sentimento nostálgico e melancólico que carregam, como se de um fado se tratasse...


E assim, apaixonei-me por Valparaíso.

Tenho que confessar que sou muito pouco original nisso. Muitos foram os artistas, poetas e escritores que procuraram esta cidade como inspiração e porto de abrigo.
Entre eles Pablo Neruda, que declarou o seu amor a este "puerto loco, este "disparate de ciudad" e onde diz que se caminharmos por todas as suas escadas, teremos dado a volta ao mundo.

No entanto, Valparaíso não é o que se pode chamar uma cidade linda, e suponho que é precisamente a sua imperfeição que resulta tão mágica e especial para quem a visita.
Valpo é sujo, é poluído, é labiríntico, é desordenado e apesar disso é considerado Património da Humanidade.
Amontoados de casas debruçam-se sobre as colinas, que em certos casos parecem desmaiar do peso que carregam, bairros boémios, casas com fachadas multicolores, impossíveis subidas...

Apanhámos o 612 ( que é como quem diz.. apanhamos o 28 ) que dá a volta aos 45 cerros de Valpo. Visitamos a Sebastiana, a casa onde viveu Neruda e tem este nome porque é uma homenagem a seu construtor, um Sebastian qualquer coisa, que Neruda dizia ser um poeta da construção.
Tentamos perguntar a um velhote qual é a paragem que temos de sair para ir para a praia. Mas da sua boca apenas com meia dúzia de dentes, sai um idoma completamente imcompreensível para o nosso entendimento.
Na praia, surpresa das surpresas, estava um velhote a vender bolas de berlim!
Compro duas.
Ouço a voz de Pessoa a dizer-me baixinho ao ouvido: "Come, pequena suja, come bolas de berlim, porque quando voltares ao teu país, seguramente a ASAE já as fez desaparecer...."




Hesito antes de mergulhar no Pacífico. Mas depois, confiante que a esta altura do campeonato já devo ter anti-corpos sul-americanos suficientes, e ao ver as crianças à minha volta desprecocupadas e felizes, ignoro os pacotes de iogurte, de plástico e outros adereços que boiam junto a mim, e mergulho!




Quanto mais exploro a cidade apercebo-me que o sentimento familiar que me transmite não está apenas relacionado com Lisboa. Valparaiso é uma cidade com muitas cidades dentro.
Cidade viajeira e viajante, é como um cocktail saboroso e múltiplo dos vários lugares por onde passei e vivi: Coimbra, Porto, Barcelona.
Depois de passar o porto, um flash de dejá vu, e memórias de Maputo, mais precisamente da Costa do Sol, despertam quando se avista o mar e as praias.


Muito mais se poderia dizer sobre esta cidade, se o estado não fosse o de enamoramento, daquele que por muito que se diga diz-se sempre pouco e que nos deixa mudos, sentimentais e desarmados.



"Para mi corazón basta tu pecho
Para tu libertad bastan mis allas.
Desde mi boca llegará
hasta el cielo
lo que estaba dormido
sobre tu alma."


Pablo Neruda



1 comentário:

Anónimo disse...

"Quiero hacer contigo
lo que la primavera hace con los cerezos."