Valparaíso ou Valpo como lhe chamam os chilenos, era um dos destinos mais esperados desta viagem. Por isso e por saber que as expectativas que sempre nos dificultam a tarefa de viver o presente e nos fazem ficar com uma sensação de dívida, procuro ignorá-las e esquecê-las.
Na verdade esse esforço não seria necessário. Foi amor à primeira vista, na exacta e real medida da expressão.
Desde logo uma estranha e forte familiaridade, que cresce na proporção da minha estadia aqui.
Quando me perguntam de onde sou e digo que sou de Lisboa, todos me respondem o mesmo: "Te sientes en casa, no?"
A verdade é que sim. Sinto-me em casa.
De forma inevitável e sem saber bem porquê, Valparaiso produz-me uma sensação de êxtase e de enamoramento. E não sei se é pela sua desordenada beleza, se pelo seu caos urbanístico, se pela sua louca arquitectura, se porque o Pacífico a abraça; se pelos seus 45 cerros , se pelos vários ascensores que nos transportam a vistas espectaculares e surpreendentes ou se é porque me faz lembrar de Lisboa.
E não sei se coincidência ou destino, às 17 da tarde passamos por um café que emanava tão boa onda que decidimos entrar. Chama-se Café Vinillo e viria a ser um dos sítio onde passariámos mais tempo.
O Ivan, o dono do Café, é um apaixonado pela cidade e transmite-nos essa febril atracção fatal. Conversamos sobre Chile, Portugal, Lisboa - sobre o que nos aproxima e o que nos separa.
Digo-lhe que Lisboa é a cidade das 7 colinas. Ele responde-me que Valparaíso tem 45. Risos.
À conversa vieram juntar-se o Pato, o Marco e Pelado. E a conversamos sobre globalização, futebol, fronteiras, nacionalidades e nacionalismos, literatura, cinema, ditaduras e minorias, pela noite dentro.
E não são apenas os elevadores, os eléctricos, o sol, a luz que me é tão próxima e tão familiar; são também as pessoas, e o sentimento nostálgico e melancólico que carregam, como se de um fado se tratasse...
E assim, apaixonei-me por Valparaíso.
Tenho que confessar que sou muito pouco original nisso. Muitos foram os artistas, poetas e escritores que procuraram esta cidade como inspiração e porto de abrigo.
Entre eles Pablo Neruda, que declarou o seu amor a este "puerto loco, este "disparate de ciudad" e onde diz que se caminharmos por todas as suas escadas, teremos dado a volta ao mundo.
Entre eles Pablo Neruda, que declarou o seu amor a este "puerto loco, este "disparate de ciudad" e onde diz que se caminharmos por todas as suas escadas, teremos dado a volta ao mundo.
No entanto, Valparaíso não é o que se pode chamar uma cidade linda, e suponho que é precisamente a sua imperfeição que resulta tão mágica e especial para quem a visita.
Valpo é sujo, é poluído, é labiríntico, é desordenado e apesar disso é considerado Património da Humanidade.
Amontoados de casas debruçam-se sobre as colinas, que em certos casos parecem desmaiar do peso que carregam, bairros boémios, casas com fachadas multicolores, impossíveis subidas...
Apanhámos o 612 ( que é como quem diz.. apanhamos o 28 ) que dá a volta aos 45 cerros de Valpo. Visitamos a Sebastiana, a casa onde viveu Neruda e tem este nome porque é uma homenagem a seu construtor, um Sebastian qualquer coisa, que Neruda dizia ser um poeta da construção.
Tentamos perguntar a um velhote qual é a paragem que temos de sair para ir para a praia. Mas da sua boca apenas com meia dúzia de dentes, sai um idoma completamente imcompreensível para o nosso entendimento.
Na praia, surpresa das surpresas, estava um velhote a vender bolas de berlim!
Compro duas.
Ouço a voz de Pessoa a dizer-me baixinho ao ouvido: "Come, pequena suja, come bolas de berlim, porque quando voltares ao teu país, seguramente a ASAE já as fez desaparecer...."
Compro duas.
Ouço a voz de Pessoa a dizer-me baixinho ao ouvido: "Come, pequena suja, come bolas de berlim, porque quando voltares ao teu país, seguramente a ASAE já as fez desaparecer...."
Hesito antes de mergulhar no Pacífico. Mas depois, confiante que a esta altura do campeonato já devo ter anti-corpos sul-americanos suficientes, e ao ver as crianças à minha volta desprecocupadas e felizes, ignoro os pacotes de iogurte, de plástico e outros adereços que boiam junto a mim, e mergulho!
Quanto mais exploro a cidade apercebo-me que o sentimento familiar que me transmite não está apenas relacionado com Lisboa. Valparaiso é uma cidade com muitas cidades dentro.
Cidade viajeira e viajante, é como um cocktail saboroso e múltiplo dos vários lugares por onde passei e vivi: Coimbra, Porto, Barcelona.
Depois de passar o porto, um flash de dejá vu, e memórias de Maputo, mais precisamente da Costa do Sol, despertam quando se avista o mar e as praias.
Muito mais se poderia dizer sobre esta cidade, se o estado não fosse o de enamoramento, daquele que por muito que se diga diz-se sempre pouco e que nos deixa mudos, sentimentais e desarmados.
"Para mi corazón basta tu pecho
Para tu libertad bastan mis allas.
Desde mi boca llegará
hasta el cielo
lo que estaba dormido
sobre tu alma."
sobre tu alma."
Pablo Neruda
1 comentário:
"Quiero hacer contigo
lo que la primavera hace con los cerezos."
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