quarta-feira, 19 de março de 2008

A ilha dos Chilotes

Com a sensação de que saímos do barco mas que o barco não saiu de nós, experimentamos pisar terra firme.
O corpo é um imparável pêndulo e tudo parece mover-se: o terminal de omnibus, a farmácia, o Banco, o supermercado... A Andrea diz que "llebamos el mar adentro" - o que é a mais pura verdade.
E, balaceando o corpo ainda com uma profunda ressaca do barco, aterramos na ilha de Chiloé.

Talvez porque não tivessemos expectativas ou talvez porque a beleza deste sítio é única e surpreendente, rapidamente nos deixamos envolver pelos encantos da ilha mágica.



Em Ancud alugamos um carro que nos permitiu dar a volta à ilha.
Durante 24horas, o carro foi a nossa casa,companheiro de viagem, meio de tranporte: nele comemos,passeamos, dormimos.

Sintonizei o FM mais perto de mim, a minha "frequência" preferida que me acompanha em todos os momentos da viagem, e a banda sonora não podia ser mais adequada; Tom Waits, Vinicius de Moraes, Caetano e Susana Bacca encaixam como "ginjas" na deslumbrante paisagem chilota.

A viagem até Puñihuil não podia ser mais idílica.
Estradas de terra batida onde a soberania pertence unicamente às vacas e bois que marcam a velocidade da viagem.
Paramos numa praia. Deserta e selvagem. Eu, a Andrea, gaivotas e albatrozes.
Atrás das dunas, algumas vacas pastam tranquilamente.

A viagem a Chiloé é uma especie de retorno, de regresso ao passado, ao que ainda é autêntico, genuíno, ancestral,selvagem.
É um regresso a uma inocência, a uma simplicidade primordial, ao que hoje já quase não existe.
E ao cansaço do corpo e das àguas, veio juntar-se um cansaço do excesso de beleza, uma quase dor de olhos, do tanto que a vista tentava abarcar e reconhecer.

A chegada à baía de Puñihuil não era mais do que a síntese de todo o caminho: uma natureza em estado bruto, genuíno e virgem. E um Pacífico azul e gelado enquadrava a baía com uma leve ondulação.

Depois da passagem por uma Patagónia que eu queria mítica, mas que a globalizante economia tornou apenas turística, a ilha de Chiloé foi um "regalo" para os sentidos.

Existe algo nesta terra que me lembra "o meu país do sul" mas há 20 anos atrás; as praias selvagens e desérticas, as bilhas de leite à porta das casas, praias e campos agrícolas colados um ao outro, os barcos de pesca puxados por bois na praia da Torreira, as praias do sudoeste alentejano antes de se tornarem ponto de fuga dos lisboetas...

A baía de Puñihuil para além de ser uma praia soberba é também o local onde centenas de pinguins, todos os anos escolhem para a época da reprodução. Existem colónias de dois tipos de pinguins: o pinguim de Humbolt e o pinguim de Magalhães.
E munidas botas e de coletes, fomos num barco de pescadores conhecer a espécie.



Digámos que "fofo" é um adjectivo redutor e limitado quando se está a falar de pinguins. Se existir alguém que tenha indiferença por este animal, é porque o animal é ele!
Com passos pequenos e concisos e com um ligeiro e delicioso movimento de cabeça, os pinguins aqui estacionados caminham em direcção aos buracos, onde estão guardados os seus ovos.
Ali, protegidos dos olhares furtivos dos seus predadores, como é o caso das gaivotas dominicanas, ficam até nascerem. As pinguinas põem em média 2 a 3 ovos por ano.

Explicam-nos que os pinguins começam a chegar em Dezembro e partem em Março para terras mais a norte e que são monogâmicos até à morte. E não é uma metáfora nem uma força de expressão; se se dá o caso de morrer a sua fêmea, vão para o alto de um precipicío e suicidam-se...!
Óóóóó... que criaturas mais românticas!!! Morrem por amor... Ai, ai!!....

Dissemos adeus ao Pacífico e aos pinguins de Puñihuil e fomos em direcção de Castro, a cidade maior de Chiloé. E por detrás de palafitas, assistimos ao pôr-do-sol.
Para além das centenas de palafitas existentes em Castro, uma outra peculiaridade desta ilha, são as igrejas de madeira, consideradas Património da Humanidade. A maioria delas foi construída no século XVIII e XIX e constitui um importante legado das ordens Franciscana e Jesuíta.
Consta-se que houve um problema de comunicação entre os que esboçaram as igrejas - europeus - e entre quem levou a cabo a sua construção - índios - que comprenderam "madeira" em vez de "mármore" e graças a esse mal-entendido temos igrejas que por fora são azuis, verdes, brancas, e por dentro totalmente revestidas de madeira.







A terceira e última cidade que visitámos foi Chonchi, com a qual desenvolvemos uma grande estima e carinho.
A afeição foi tanta que eu e Andrea começamos a utilizar o nome para tudo, como substântivo, adjectivo ou verbo: "Ei Chonchi, para donde vamos?" ou "Que chonchi es esta iglesia!" ou ainda " Estás choncheando?". De tal forma que quase gastámos o nome o cidade.

A baía de Chonchi parece um quadro de Monet, as cores, os o verde das algas,dos prados, o azul-prateado-esmeralda das águas, barcos e pescadores.

E nesta ilha que derreteu o nosso coraçao e restabeleceu os conceitos de beleza, devolvemos o nosso YE-44-66, e partimos errantes como qualquer mochilero que se preze, e continuamos a nossa rota ao sabor do vento!



2 comentários:

Anónimo disse...

Ola, Chonchi!
Bebo as tuas palavras como um néctar precioso. Mmmm...
O segundo volume de Patanisca em Trânsito já está à espera de que tenhas uma morada. Beijo-te o corpo e a alma. O FM cada dia + perto de ti...

lili disse...

muito, muito perto,chuchu chonchi!
Sta lapido na bô!
aguardo ansiosamente o segundo volume... mas a patanisca ainda está sem abrigo na capital dos Ares Bons.!!
beiiiiiiijo