quinta-feira, 3 de abril de 2008

Noroeste Andino II


No Hostel Correcaminos sou incrivelmente bem recebida pela Mariana, o Fernando e o Sebástian.
Estamos na cidade de Salta, capital da província que tem o mesmo nome.
É conhecida como Salta a Linda, mas até agora ainda não consegui comprovar o seu cognome. Aliás, nem quero. É precisamente essa a premissa do dia hoje: não ver nada lindo nem deslumbrante! Descansar os olhos, o corpo, comer... E decidida a fazer uma refeição à "gringa", aterro numa esplanada da Praça 9 de Julio!


A contagem decrescente da viagem começa e com ela alguma ansiedade, tristeza e cansaço acumulado. Um certo quotiano, também.
As viagens depois de um certo tempo, tendem a transforma-se numa sucessão de procedimentos e acçoes condicionadas; como olhar mapas, decidir destinos, escolher hosteles, realizar rápidos reconhecimentos geográficos, fazer mochila, desfazer mochila, refazer mochila..
Locais como autocarros, terminales de autobus e hosteles de diferentes cores e feitios, vão sendo provisórias casas.
O quotiano do viajante não muda, mudam apenas os locais onde se dá esse quotidiano e assim a paisagem transforma-se em ponto fixo, o espaço interior dilata-se e o desconhecido transforma-se em algo reconhecível, familiar e amigo.

E aqui no coração do noroeste andino e às portas da Bolívia, a viajera delicia-se com a gastronomia local: come humitas, tamales, locro, cazuela de cabrito e outras coisas que tal...






Mais para norte vamos. O caminho até Tilcara é acompanhado por vistas desafogadas, desérticas e desconcertantes. Começo a sentir uma forte pressão nos ouvidos e compreendo que isso é devido à altitude a que estamos. Tilcara está a 2458 metros.

Na estação de autocarros pergunto pelos colectivos para Purmamarca.
Uma senhora, com inconfundíveis traços andinos e com um sotaque lento e arrastado, diz-me:

- No mamita... no vamos pá allá!

Surprendida e derretida, digiro a sua resposta com um sorriso. É que não foi só facto de me chamar mamita, foi a forma natural e de extraordinária ternura com que o fez..





Nunca uma viagem de 30 km se me fez tão longa.
Depois de ter feito viagens de 4, 6, 8, 10, 16 horas, achava cientificamente impossível que uma viagem de 40 minutos seria comparavél a uma descida aos infernos....
Um autocarro com dobro de passageiros para a sua capacidade, muita gente de pé encaixada uma na outra, calor... - até aqui nada de anormal.
Até que um pai decide que um autocarro cheio de gente é o lugar perfeito para fazer demonstracoes de afecto à sua filha.
Então o pai dizia: "Dáme un beso" e ela "No"; e outra vez "Dáme un beso" e ela "No" e este inquietante diálogo repetido mais meia dúzia de vezes. Depois: "Sós fea!" e a menina respondia "No" e ele repetia "Sós fea!" e a menina gritava "No" e desprovido de qualquer sentido de contradição ia intercalando com "quien es la más linda?" - frases que obviamente gastou até a morte.
Moral da história; o que para uns pode ser amor paternal, para outros pode ser um autêntico pesadelo!

Quando chego a Purmamarca sei que me espera o ritual sagrado do viajante:oficina de turismo-hostel-mochila-banho...





Passeio pelo Cerro de las Siete Colores e um senhor já com alguma idade que fazia cestos, alerta-me sorridente:
- Cuidado con el Duende...

Devolvo-lhe o sorriso, mas acrecento maliciosamente:
- El que tenga cuidado comigo!

São muito crentes e supersticiosas as pessoas destas terras, e as lendas e histórias sobre duendes e entes estranhos e sobrenaturais, multiplicam-se.

O que não é lenda são as Salinas Grandes - o que penso que se poderá verificar pelas imagens que se seguem...






E que alguém achou que seria o local ideal para evocar Darwin e a sua teoria da evolução...

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