sábado, 12 de janeiro de 2008

Viva a burrocracia ou à procura de Gogol


Não percebo e nem vamos tentar entender, está bem?”

 Foi esta a frase com que a menina do centro de saúde sentenciou a minha inexplicável situação, quando  simplesmente solicitava usar o meu direito á sáude e tentava marcar uma consulta.                            
 Com a simpatia, humildade e generosidade que geralmente carateriza este tipo de serviços, ela olha para os papéis  que solicitamente lhe entrego.
 Perplexa e absorta, começa a alternar o seu o olhar entre o computador, os papéis e eu. 
 A sua  indignação é tanta que não aguenta e chama a colega: “Ó Rosário, anda cá ver isto!!! … eu não  percebo….mas que confusão!!! Francamente!” e vai atirando assim umas larachas que comprometem seriamente a  minha dignidade como cidadã responsável.
 Como se não bastasse, à minha volta uma sala inteira cheia daqueles seres estranhos que costumam habitar os  centros de saúde, olham-me como se a estranha fosse eu.

 E a senhora continua a bombardear-me com perguntas idiotas, às quais eu – ainda sem café e com o terrível  pressentimento de que estou destinada a passar um dia inteiro nestas instalações, sujeita a este tipo de  humilhações mundanas mas profundas – tenho alguma dificuldade em responder.
 O meu humor começa então em queda livre e já só me apetece bater com o pé no chão enquanto choramingo (qual  criançinha de 4 anos) : “não, não é a primeira vez que cá venho!! (…) sim, moro em Telheiras mas a médica  aceitou-me aqui!” (…) “nãaaao!!…. não pedi o cartão de utente depois de me ter inscrito aqui!"

 -   Se calhar foram os seus pais que a inscreveram em Aveiro…- afirma com um ar que roça o acusatório e o  pidesco.

 Depois de estar há 15 minutos a aturar esta tortura, já desabafo “…. sim… se calhar foram eles….” (Ó meu Deus,  agora para além de má cidadã sou também delatora!!.. Desculpem paizinhos!!!!)
 E ela continua, blábláblá, blábláblá e isto e mais aquilo e debate-se e arranja argumentos e pesquisa no computador  e pergunta coisas da minha vida pessoal (tipo “onde é que estava em 1999?) ”…                                              
 Bem, de facto não a posso acusar de não ser persistente, mas a mim começa a cansar-me a sério.              
 Já  com o ego descaído e já quase convencida de que sou uma reles cidadã, ainda tento desculpar-me na tentativa  de conquistar a sua compaixão: “Sabe.. é que vivi em muitos sítios…”

 Nada.  
 Apenas um rápido olhar de desprezo e volta a olhar ora para o computador, ora para os papeis, ora para a colega do  lado (a Rosário, portanto).  
 No fundo entendo o seu interese pelo meu caso.      
 Trata-se de um caso complexo, com informações contraditórias e irregulariedades administrativas: a minha ficha  diz que estou inscrita em Benfica, o meu cartão de utente ( que orgulhosamente exibia, porque tinha descoberto a  sua existência apenas há uma semana) diz que estou em Aveiro, no computador dela o meu número corresponde a  uma tal Maria do Patrocínio e eu tenho a certeza que ela anda a ver demasiados CSIs na televisão…

 É o que dá…! E por causa disso tenho eu de aguentar com máquina burocrática destruidora com aparência  humanóide (como diria o meu amigo Hélder..), a maçar-me e a encher-me de perguntas só porque quer ser o Dr.  House das Auxiliares Administrativas dos Centros de Saúde da Europa! ( e está claro que ao português estas  denominações que acabam em europa ou mundo, soam-lhe sempre a pomposo!)

 E diga-se de passagem que vai no muito bom caminho, pelo menos a avaliar pela sua potencial capacidade de  antipatia e intolerância….

 "Não percebo e nem vamos tentar entender está bem?”

 Está bem.

 Eu saio de lá ainda mais pobre. Enxovalhada, sem identidade, sem convições, devastada pela justiça dilacerante  do serviço nacional de saúde, sem um terço dos papéis que levava e sem a última e orgulhosa prova da minha  cidadania: o meu cartão de utente. E como se nada fosse, elimina-o bárbara e implacávelmente numa máquina  destruidora parecida com ela mas com aparência mecanóide.

 E ainda por cima querem que eu me chame Maria do Patrocínio !?!        

  Irra que é demais!!!


5 comentários:

Paulo Borges disse...

É o que dá armares-te em pessoa...
Contradições não são coisas que se tolerem num serviço de saúde. Nem de saúde nem outro qualquer.
Eu disse serviço? Talvez fosse mais correcto chamar-lhe "lugar onde vamos armados em parvos a pensar que alguém está interessado na nossa saúde".
As melhoras.

Manel disse...

É um dos prós da blogosfera: aqui somos virtualmente as pessoas que em concreto sabemos ser. Bem-vinda à molhada, gaja linda, que já tardavas.

Meres disse...

Olá linda seja bem vinda!
A confusão dos centros de saúde é que não te perguntam nada e fazes o que queres e passado algum tempo dão por isso! O meu processo está perdido pelo Porto há uns 6 anos!
beijos

Catarina disse...

que linda!!!!!

e como resolveste o teu problema de saúde? Foste a um privado?

lili disse...

o que me valeu foi não estar doente,eheh!!! e a partir de agora vou começar a fazê-lo por desporto! só para os chatear! aliás, até que uma chamadazinha para a ASAE não ia mal, como não quem não quer a coisa!!hum......

obrigada, minha gente, pelas boas-vindas e por virem à bifaninha !
beijos